Vale do Ribeira

Riqueza Socioambiental Populações tradicionais Experiências de uso sustentável dos recursos

O Vale do Ribeira está localizado no sul do estado de São Paulo e norte do estado do Paraná, abrangendo a Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape e o Complexo Estuarino Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá. Sua área de 2.830.666 hectares abriga uma população de 481.224 habitantes, de acordo com o Censo do IBGE de 2000 e inclui integralmente a área de 31 municípios (9 paranaenses e 22 paulistas). Existem ainda outros 21 municípios no Paraná e 18 em São Paulo que estão parcialmente inseridos na bacia do Ribeira.

A região destaca-se pelo alto grau de preservação de suas matas e por grande diversidade ecológica. Seus mais de 2,1 milhões de hectares de florestas equivalem a aproximadamente 21% dos remanescentes de Mata Atlântica existentes no Brasil, transformando-a na maior área contínua desse importante ecossistema em todo o País. Nesse conjunto de áreas preservadas são encontradas não apenas florestas, mas importantes remanescentes de restingas - são 150 mil hectares - e de manguezais - 17 mil hectares.

Em contraste a este valioso patrimônio ambiental, o Vale do Ribeira é historicamente uma das regiões mais pobres dos estados de São Paulo e Paraná. Seus municípios possuem índices de desenvolvimento humano inferiores às respectivas médias estaduais, assim como os graus de escolaridade, emprego e renda de suas populações, entre outros indicadores, são tradicionalmente menores do que os de outras populações paulistas e paranaenses. A busca por empregos e oportunidades - na área de educação, por exemplo, praticamente não existem opções de curso superior – estimula a migração de parte da população economicamente ativa e jovem para outras regiões.

Os principais ciclos econômicos que se instalaram no Vale do Ribeira ao longo da história foram a exploração aurífera, a partir do século 17, e de outros minérios até décadas recentes, e as culturas do arroz, do café, do chá e da banana. Estes ciclos transformaram o Vale do Ribeira em fornecedor de recursos naturais de baixo custo, explorados sem qualquer respeito ao patrimônio ambiental e cultural e sem geração de benefícios para a população residente.

O quadro é agravado pela proximidade da região de dois importantes centros urbanos industriais – São Paulo e Curitiba. E, ainda, por recentes investimentos em obras de infra-estrutura, tais como a duplicação da Rodovia Regis Bittencourt (BR-116), os projetos de construção de usinas hidrelétricas no Ribeira de Iguape e as propostas de transposição de bacias a fim de desviar água da região para São Paulo e Curitiba.

De acordo com o Sebrae, o Vale do Ribeira atualmente se caracteriza pela grande concentração de pequenas propriedades, com até 50 hectares. A principal cultura atualmente é a da banana, seguida da carne bovina, do tomate e da tangerina. A economia regional produz ainda chá mate, arroz, milho, flores, além da atividade de pesca em sua porção litorânea.

Riqueza socioambiental

Em 1999, a Reserva de Mata Atlântica do Sudeste, constituída por 17 municípios do Vale do Ribeira, tornou-se uma das seis áreas brasileiras que passaram a ser consideradas pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura) como Patrimônio Natural da Humanidade. Não é para menos. Em 24 Unidades de Conservação (UCs) integral ou parcialmente inseridas no vale encontram-se espécies raras tal como o cedro, o palmito, a canela, a araucária e a caxeta, além de diversidade de bromélias e orquídeas.

Levantamentos preliminares realizados em algumas dessas UCs encontraram dezenas de espécies ameaçadas de extinção. Entre elas o monocarvoeiro, a onça-pintada, a jaguatirica, o veado campeiro, a jacutinga, o jacaré-de-papo-amarelo e o papagaio-de-cara-roxa, além de 42 espécies endêmicas como o beija-flor rajado, o boto cinza, o zabelê e o mico-leão-da-cara-preta.

Uma característica singular da região é que as áreas preservadas não se encontram apenas nos parques e estações ecológicas, mas também em terras indígenas, quilombolas e nos bairros rurais, onde predomina a pequena agricultura de subsistência. A preservação ambiental é a vocação natural do Vale do Ribeira e é a razão pela qual tanto o governo quanto as organizações não-governamentais vêm apostando em projetos de desenvolvimento sustentável na região.

Populações tradicionais

 
Não é só a riqueza ambiental que torna a região do Vale do Ribeira singular. Seu patrimônio cultural é igualmente valioso. Em seu território se encontram o maior número de comunidades remanescentes de quilombos de todo o estado de São Paulo, comunidades caiçaras, índios Guarani, pescadores tradicionais e pequenos produtores rurais. Trata-se de uma diversidade cultural raramente encontrada em locais tão próximos de regiões altamente urbanizadas, como São Paulo e Curitiba.

Caiçaras

Cerca de 80 comunidades caiçaras, formadas por 2.456 famílias, vivem ao longo dos 140 km de extensão do Complexo Estuarino Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá. Seu modo de vida caracteriza-se principalmente pela relação de interação com a natureza, seus ciclos e recursos renováveis. A atividade pesqueira de subsistência, sua principal atividade econômica, é realizada de modo artesanal e com baixo impacto ambiental. Tal como a economia, as atividades culturais e sociais são pautadas na organização em torno da unidade familiar, domiciliar ou comunal.

No município de Cananéia cerca de 30 comunidades caiçaras se dedicam prioritariamente à produção camaroeira por meio de pesca em canal e mar aberto. Já em Iguape é realizada a pesca de canal voltada para a produção pesqueira de manjuba e crustáceos. Cerca de 20 comunidades caiçaras praticam essa atividade. As sete comunidades que vivem na Ilha Comprida realizam a pesca de praia em determinadas épocas do ano, enquanto a população caiçara de Guaraqueçaba, estimada em 8.400 pessoas, trabalha principalmente na pesca de canal com produção de tainha e caranguejo.

Indígenas

Já a população indígena do Vale do Ribeira está organizada em dez aldeias Guarani formadas por famílias pertencentes aos subgrupos Mbyá e Ñandeva. A Fundação Nacional do Índio (Funai) estima que a população indígena na região tenha mais de 400 indivíduos. Os Guarani Mbyá vivem próximos ou mesmo dentro de Unidades de Conservação e nelas se relacionam com os recursos naturais de modo tradicional, pois seu padrão de economia está baseado na agricultura de subsistência. A caça e a pesca são atividades sazonais e sua relação com o espaço e a natureza também é pautada por preceitos religiosos e éticos.

A presença do povo Guarani no Vale do Ribeira é marcada por intensa mobilidade de sua população, devida, em parte, à falta de regularização fundiária de seus territórios tradicionais, que muitas vezes são sobrepostos à áreas de UCs. Essa instabilidade ocorreu, por exemplo, com as comunidades das aldeias Cerco Grande e Morro das Pacas, cujas populações tiveram de sair de seus antigos territórios porque se localizavam onde está o Parque Nacional de Superagui. Também foi o caso da comunidade de Pacurity, que se moveu da antiga aldeia de Cananéia, porque suas terras foram englobadas pelo Parque Estadual da Ilha do Cardoso.

Experiências de uso sustentável dos recursos

Turismo

Hoje na região há uma série de projetos e ações de geração de renda e manejo sustentável de recursos naturais colhendo resultados positivos. Um bom exemplo é o turismo, que gera empregos tanto em Iguape e Ilha Comprida, no litoral, como em Iporanga e Apiaí, no Alto Vale. Uma das maiores atrações da região é o conjunto de cavernas calcárias, um dos mais expressivos do mundo. As mais famosas, entre as mais de 200 catalogadas, são as cavernas do Diabo, Santana, Morro Preto, Água Suja e Casa da Pedra.

O investimento público em parques, estradas e roteiros, por sinal, comprova que o ecoturismo e o turismo de aventura são apostas dos governos estadual e federal para a região. Em novembro de 2005, por exemplo, o governo de São Paulo conseguiu um empréstimo de R$ 20 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para investimento no setor. Como contrapartida, se comprometeu a aplicar US$ 6 milhões em estratégias voltadas para o crescimento do turismo na região e para a preservação do meio ambiente.

Manejo agroflorestal

O manejo agroflorestal, com a produção e comercialização de mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, também tem ganhado espaço do Vale do Ribeira e vem sendo adotado por muitas comunidades como alternativa para geração de renda. É o caso dos bairros Guapiruvu e Rio Preto, no município de Sete Barras. As respectivas comunidades rurais produzem em viveiros e comercializam mudas de espécies florestais da Mata Atlântica, principalmente aquelas ameaçadas de extinção, como a palmeira Juçara, para reflorestamento.

A comunidade do Rio Preto, por exemplo, trabalha com mudas de cerca de 30 espécies de madeiras nobres, como caixeta, ingá, umbaúba e cedro. O trabalho consiste na coleta das sementes na mata e o plantio nos três viveiros da associação comunitária para o crescimento da muda. Os viveiros do Rio Preto têm estoque de cerca de 50 mil mudas e o preço de cada uma varia de 50 centavos a 1 real, dependendo da espécie. O dinheiro arrecadado é dividido entre os associados e uma quantia fica reservada à manutenção da própria associação.

 Juçara

O manejo da Juçara também tem dado bons resultados em um projeto desenvolvido pela ONG Amainan Brasil e pela Kazita, empresa que já maneja adequadamente a palmeira há mais de 10 anos. A proposta é fazer o manejo das frutas desta árvore, produzindo um suco de alto valor energético e bastante similar ao já conhecido Açaí. A produção do suco é uma alternativa ao corte da palmeira, pois a renda obtida com o suco é maior. O projeto iniciou-se em Sete Barras, e realiza atividades também em Tapiraí, outro município do entorno do parque Carlos Botelho.

Maricultura

A atividade de maricultura, como a criação de ostras, mariscos e peixes em viveiros, também tem apresentando resultados positivos para as comunidades caiçaras do Vale do Ribeira e para a comunidade quilombola de Mandira, localizada em Cananéia. Mandira, aliás, concentra parte dos produtores que formam o exemplo mais bem-sucedido no setor, a Cooperativa dos Produtores de Ostras de Cananéia (Cooperostra). A cooperativa chega a comercializar no verão em torno de 1.500 dúzias por semana. Neste período de intensa produção, cada um dos 35 cooperados chega a ganhar R$ 640 reais por semana. A grande conquista do coletivo de criadores foi poder manter, com viveiros, a produção durante o defeso da ostra, de dezembro a fevereiro, quando a extração do mangue é proibida e a demanda pelo produto chega ao máximo, em razão dos turistas presentes no litoral sul.

Até meados dos anos 1990, os 140 coletores de ostra da região de Cananéia não realizavam nenhum tipo de manejo na extração. Não respeitavam o tamanho mínimo de coleta do molusco – 5 centímetros – nem o período de reprodução da espécie. Os caiçaras ainda vendiam as ostras em grande quantidade e com preço baixo para atravessadores, os únicos com acesso ao mercado consumidor. Em 1994 as famílias começaram a discutir formas de mudar essa situação e, em parceria com a Fundação Florestal de São Paulo, fizeram o primeiro viveiro de engorda. Em 1997 o grupo se reuniu e resolveu cortar a venda para os atravessadores e abrir uma cooperativa, onde todos os coletores seriam donos do negócio.

Hoje a Cooperostra tem uma unidade beneficiadora, onde as ostras passam por um processo de depuração em tanques com água esterilizada. Esse padrão de higiene possibilitou que a produção recebesse do Ministério da Agricultura o certificado do Serviço de Inspeção Federal (SIF), o que a qualifica a buscar os mercados mais exigentes do País, como São Paulo. Outro marco do sucesso da empreitada se deu em 2002, durante a Conferência Rio+10, em Joanesburgo, na África do Sul, quando a cooperativa ganhou reconhecimento internacional como iniciativa bem-sucedida de desenvolvimento sustentável e de combate à pobreza e um prêmio de U$ 30 mil oferecido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

O êxito na criação de ostra tem inspirado outras atividades na maricultura. A engorda de camarão-rosa, para a produção de isca-viva, de robalo e o manejo do siri-mole e do mexilhão também estão sendo feitos em projetos-piloto, principalmente em comunidades caiçaras da Ilha Comprida e em Cananéia. A idéia dos projetos é conquistar uma produção constante dos frutos do mar para que a renda dos trabalhadores não caia durante o período de defeso das espécies. As atividades de maricultura também são práticas importantes para as comunidades caiçaras, pois agregam um componente de segurança alimentar, além do aumento da renda familiar.

Todas estas iniciativas, muitas das quais contam com apoio de órgãos de governo, instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil, têm mostrado que o Vale do Ribeira pode apresentar um novo modelo de desenvolvimento. Neste modelo a geração de renda para as famílias mais pobres é aliada da conservação da natureza, estimulando o desenvolvimento local e aumentando as oportunidades de crescimento e melhor qualidade de vida para um número cada vez maior de pessoas.