Quilombolas resgatam mutirões em projetos sustentáveis
Quilombolas resgatam mutirões em projetos sustentáveis
No repovoamento do palmito Juçara, na abertura de roças de banana orgânica e na construção de viveiros de mudas, a tradicional prática do trabalho coletivo volta a ganhar força nas comunidades do Vale do Ribeira.
Há alguns anos as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira vêm planejando o uso sustentável de seus territórios por meio de alternativas de geração de renda capazes de aliar a preservação ambiental e o desenvolvimento local. Uma das características marcantes destas comunidades é a mobilização comunitária, os chamados mutirões, uma ajuda mútua entre as famílias para a realização de atividades que demandam mão-de-obra acima da capacidade familiar. Nestes mutirões, por exemplo, os grupos se organizam para preparar as áreas de roça, retirar as canoas feitas na mata e levá-las até a beira do rio, ou realizar um esforço para eventos comunitários, como construir um barracão e arrumar as prendas para as festas.
Com as transformações que vêm ocorrendo nessas comunidades, como a diminuição das roças, a proibição de confeccionar canoas com as árvores nativas, o êxodo rural e o trabalho assalariado, contudo, estes mutirões estão caindo em desuso e uma importante característica das comunidades tradicionais corre o risco de desaparecer. Para evitar o fim dos mutirões, os projetos desenvolvidos nas comunidades em parceria com o Instituto Socioambiental visam também estimular o resgate desta prática coletiva. Assim, têm sido realizados mutirões de repovoamento de palmito Juçara, mutirão de práticas de bananicultura, e mutirão para construção de viveiros de mudas.
Só no último mês de outubro a comunidade quilombola de Ivaporunduva realizou dois mutirões que mobilizaram juntos mais de sessenta pessoas. O primeiro foi realizado no início do mês e possibilitou a implantação de uma área demonstrativa de banana orgânica para difundir este método de cultivo entre os agricultores da comunidade. A área foi escolhida para demonstrar que é possível mudar o local dos tradicionais bananais orgânicos das várzeas e beiras de rio - áreas que são normalmente utilizadas em todo o Vale do Ribeira – e implantá-los nas encostas.
Outros pontos importantes referentes à formação desta área foi a demonstração do plantio do bananal sem o uso de fogo, uma prática comum no quilombo. A prática alternativa apresentada foi o uso de adubação verde, com o uso de plantas leguminosas e também a adubação com compostos e preparados orgânicos permitidos nas diretrizes da certificação orgânica do Instituto Biodinâmico (IBD), entidade que certifica os bananais de Ivaporunduva. O segundo mutirão, realizado na penúltima semana de outubro, ocorreu para a reforma do viveiro de mudas, também em Ivaporunduva.
Estão previstos mutirões em mais quatro comunidades ainda em 2006 para a construção de viveiros de mudas. Estas atividades vêm consolidar o programa regional de repovoamento do palmito Juçara nos territórios de dez comunidades quilombolas do vale. Ao longo de 2006, estas comunidades realizaram 10 mutirões para o lançamento de sementes de Juçara na mata, nos quais foram utilizados 5.400 quilos de sementes.
Os mutirões realizados ainda mantêm as características tradicionais de propiciar momentos de confraternização, com um almoço ou jantar, após a realização do trabalho. A prática dos mutirões é importante pois traz embutidos os conceitos de cooperação, convivência e desenvolvimento conjunto. “Uma atividade que uma família demoraria no mínimo quinze dias para realizar, quando nos reunimos em mutirão se gasta apenas um dia”, relata Alexandro Marinho, coordenador da associação de Ivaporunduva.